Somos bombardeados diariamente com tanta notícia sobre a crise e seus derivados, com tantas estatísticas que nos dizem que as pessoas não só consomem menos como andam a reduzir precisamente nos gastos com comida, que começamos a achar que não pode ser, que os media estão a exagerar um bocadinho. Mas se olharmos com atenção, vemos que de facto as diferenças estão à vista de todos. Ontem apercebi-me disso duas vezes. Fui sair com uns amigos, como costumo fazer habitualmente, e mais uma vez foi um problema para arranjar estacionamento. Por esta altura do ano já esta cidade costumava estar às moscas e agora é gente por todo o lado. A economia da cidade agradecerá, e tanto que precisa, não haja dúvidas, mas não deixa de ser novidade.
Quando regressei, tinha os meus pais ainda acordados, à espera que eu chegasse a casa e bastante transtornados. Nunca antes os tive à janela, à espera que eu chegasse inteiro a casa. Nem mesmo da primeira vez que saí à noite. Temos um café em frente à nossa casa, e umas horas antes de regressar, a rua estava praticamente vazia, estando apenas perto da porta do café uma mulher estranha. O meu pai regressava das festas do bairro, uns quarteirões mais acima e preparava-se para entrar em casa quando a dona do café saía e dirigia-se para o seu carro, sozinha como sempre. O meu pai cumprimenta-a e entra em casa no exacto momento em que a tal mulher estranha corre em direcção à dona do café e tenta agarrar-lhe a mala com o dinheiro do dia. O meu pai ouve os gritos e volta a sair à rua, vê as duas no chão agarradas à mala, corre a imobilizar a mulher estranha, sem saber se ela terá alguma arma, e consegue segurá-la até esta desistir e largar a mala. A prótese recente na anca e um braço magoado não lhe permitem mais, e a mulher foge.
Eu sei que já por várias vezes brinquei por aqui com o facto de viver num "gueto", e que aqui, mais do que noutros locais, é normal acontecerem coisas muito pouco recomendáveis. Houve uma passagem de ano em que nos roubaram o carro que estava estacionado à porta de casa mesmo. Mas ao longo destes 26 anos de existência, nunca antes se tinha chegado à confrontação directa, nunca antes a coisa foi tão real e próxima. Nunca antes tinha tido noção do que é sentir verdadeiramente medo de sair à rua durante a noite. E isso sim, é uma novidade.