Hoje, enquanto se conversava ao jantar, apercebi-me que não só é tão fácil, como será certamente o nosso maior mecanismo de defesa no sentido da auto-preservação, assumirmos que nós, e os nossos, somos bons. Com isto quero dizer, boas pessoas. Assumindo a banalidade e o pouco que vou contribuir para o tema, estamos longe disso, somos algo intermédio na melhor das hipóteses. Na realidade somos vítimas do nosso tempo, resultado daquilo que aprendemos. Houve até em tempos quem indicasse que a culpa de quem somos é da nossa mãe.
Aquilo que somos será portanto o aglomerado de tudo aquilo que vivemos e da forma como agimos perante as situações que a vida nos apresentou. No entanto, como também já houve quem o dissesse antes, o todo é mais que a soma das suas partes. No fundo, somos mais que a soma dos momentos em que fomos a típica "boa pessoa" e dos momentos em que fomos seres humanos reprováveis.
Neste caso em particular, acreditando convictamente que não passamos de vítimas das nossas circunstâncias, defino pessoalmente uma "boa pessoa", uma "pessoa espectacular", um "ser humano incrível", pelo conjunto de momentos em que apesar do seu mindset, em detrimento do seu bem-estar, essa pessoa tomou a decisão mais altruísta e mais empática que seria de esperar.
Já uma "má pessoa", um "ser humano execrável", seria por razão da lógica, o seu extremo oposto. Contudo, quando tentamos perceber esse aspecto numa pessoa que nos está próxima, o exercício parece mais difícil por vezes, possivelmente culpa da boa da auto-preservação já mencionada, uma vez que essa pessoa será inevitavelmente um contributo para o resultado daquilo que nós mesmos somos.
Hoje, enquanto se conversava ao jantar, tocou-se no passado. No passado anterior à minha existência. Aquele tempo de que pouco sei, porque nesta casa é tradição atirar os momentos difíceis para baixo do tapete e fingir que não há nada de errado com todo o vulto acumulado lá debaixo. Aproveitei a deixa e fui puxando na esperança de achar o fio à meada e o que encontrei foi um misto de orgulho de levar às lágrimas num conjunto de seres humanos nos quais me orgulho de ser descendente, e de tristeza tremenda daqueles que não conseguiram encontrar a sua humanidade quando ela foi mais necessária.
Hoje enquanto se conversava ao jantar, perguntei-me se serei boa pessoa. A auto-preservação obriga-me a dizer que sim. Na verdade, espero pelo menos ter herdado um pouco daquilo que os meus antepassados tiveram de melhor, e que esse pouco seja suficiente para suplantar aquilo que tiveram de pior.