A manhã está fria enquanto me sento na esplanada e peço um café. Nunca gostei de café, mas há uma aparência de maturidade e confiança em quem os pede que sempre me causou inveja, pelo que decido entrar na farsa e fingir que sou um dos crescidos.
O sol alastra-se tímido pelas fachadas dos prédios da praça e eu, de chávena na mão, contemplo o ritmo do dia acreditando que finalmente faço parte da peça. A alguns metros à minha frente, numa outra mesa, uma jovem de ar delicado e inseguro bebe o seu café. Olha à volta impaciente e acaba por tirar da sua mala um cigarro, que acende, na esperança de que este lhe mate o tempo. Enquanto segura o seu cigarro e o leva aos lábios, toda ela se transforma e do escudo causado pelo fumo surge uma inesperada imponência. Deus, como para mim é sexy uma mulher que segura um cigarro nos dedos com tamanha convicção. Mas deixo essa constatação para discutir um dia com o meu terapeuta e termino o meu café açucarado.
A jovem volta a olhar impaciente à sua volta. A companhia tarda, pelo que retira agora da sua mala um moleskine preto. Termina o seu cigarro, ajeita delicadamente os seus cabelos por cima da orelha e começa a escrever alguma coisa. De sorriso decidido nos lábios, quem sabe se de ter consumido do néctar dos adultos, levanto-me e aproximo-me da sua mesa. A jovem retira os olhos do que escreve e observa-me intrigada. Imediatamente lhe respondo "fumar mata, mas um café comigo provavelmente não". Sem esperar reacção, retiro-lhe a caneta das mãos, aponto-lhe o meu contacto no moleskine e, enquanto lhe devolvo a caneta pisco-lhe o olho e acrescento "pensa nisso". Afasto-me e sigo o meu caminho.
Aconchego a gola do casaco à cara. A manhã está fria. Fria de mais para continuar a passeá-la sozinho.
2 comentários:
uau, bom dia! traz mais destes :p
;)
Nem tudo o que parece é... Mas vou tentar fazer por isso. Pelo menos enquanto o formigueiro, o da escrita que parece ter voltado, quiser ficar por "cá".
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